Paredes de Coura volta para a glorificação do ouvido musical
com Tame Impala, Allah-Las, Fuzz ou Charles Bradley
Volta o encanto em redor da praia fluvial do Tabuão, cenário
de paixões de múltiplas gerações, de mergulhos revigorantes, de encontros de
devotos da cena musical alternativa e tantas, infindáveis, tão presentes, memórias
inesquecíveis. Paredes de Coura é a vila do Alto Minho que consagrou um
festival com o melhor do País, pelo seu anfiteatro natural, pelo protagonismo
do seu cartaz, pela harmonia geral, tremendamente sedutora para o espetador
habitual como para o estreante visitante. Mesmo com a saturação de festivais no
calendário, Paredes de Coura é e será um marco, um pretexto, uma escapatória,
uma glorificação do nosso ouvido musical. A 23ª edição acelera para o seu
início, que acontece já quarta-feira, com um naipe de bandas que tanto estimula
como fará delirar, percebendo-se que está praticamente assegurada como mais um
grande sucesso, não só levando em conta as extraordinárias vendas de ingressos
já efetuadas para um carrossel de grandes concertos entre 19 e 22 de agosto.
É, com toda a certeza, o cartaz mais refrescante e cativante
dos últimos anos, reunindo nomes que, juntos, escrevem o presente e futuro da
música indie e psicadélica. É um cartaz que atinge com estrondo o público mais
sintonizado com as novas correntes, as novas vagas, prescindindo de dinossauros
e bandas lendárias com a certeza que tem arrojo suficiente para enamorar e
deliciar a plateia. Há atrevimento, há magia no ar, há música para desencadear
doses colossais de farra, espreitando propostas imperdíveis que vão de Tame
Impala a Allah-Las, de TV on the Radio a Charles Bradley, de Slowdive a Fuzz, de
Mark Lanegan a War on Drugs, passando por bandas como Temples, White Fence,
Iceage, Father John Misty, Pond, Lykke Li ou até mesmo Legendary Tigerman, o
projeto de Paulo Furtado, nome incontornável na excecional e única atmosfera de
Paredes de Coura, que se estreou em 1994 com os Tédio Boys e já teve honras de
fecho do palco principal com Wraygunn. X-Wife e Peixe Avião serão outras bandas
portuguesas em destaque nesta 23ª edição do Festival Paredes de Coura.
Discorrendo as atrações maiores, o primeiro dia marca o
regresso a Portugal dos TV on the Radio, acenando aos fiéis com um novo
trabalho ‘Seeds’, o primeiro após o falecimento do baixista Gerard Smith. Antes
da entrada em palco dos nova-iorquinos, prevê-se um ambiente comprometido com o
shoegaze dos ingleses Slowdive, renascidos nos últimos anos e contemplando a
adulação do público português, bastando atentar na íntima relação estabelecida
no Primavera Sound, no Porto, em 2014. Empunhando esse álbum bandeira do género
shoegaze, ‘Souvlaki’, o grupo de Reading regressa a Portugal com aquele jeito
de desenhar paisagens sonoras magnetizantes.
Cabeças de cartaz da segunda noite, os Tame Impala servem-se
do novo álbum ‘Currents’ nesta quarta visita a Portugal, depois de terem
passado por dois Super Bock Super Rock e um Optimus Alive. Kevin Parker teve a
ousadia de mudar o registo da banda australiana, mascarando a inspiração
psicadélica pela vertigem da pista, abraçando uma espécie de pop sintética.
Presumivelmente responsáveis por grande parte da afluência à Praia do Taboão,
os Tame Impala encabeçam o cartaz na noite de quinta-feira, fechando o palco
principal, depois das atuações de Father John Misty, que trará a Paredes de
Coura ‘I Love you, Honeybear’, trabalho pelo qual tem sido aclamado como porta-estandarte
do folk, e do incendiário Legendary Tigerman. Mas não se esgota no palco
principal a pujança do festival, sendo o dia 20 reflexo da qualidade do cartaz,
que permitirá ver no palco secundário grupos como Pond, que partilham elementos
com Tame Impala, White Fence, de Tim Presley, mente criativa permanente mergulhada
na influência psicadélica dos sessentas, e Iceage, num regresso mais
amadurecido a Coura. Os dinamarqueses conjugam um lado mais obscuro com outro
mais fulgente, alternando revolta e harmonia nas suas guitarras.
Chegados a dia 21, já de barriga cheia por um punhado de
atuações irresistíveis, há uma noite mais eclética, pedindo adaptação e
compenetração. Os X-Wife abrem hostilidades, deixando caminho cimentado para a
estreia absoluta dos californianos Allah-Las, embalados pelo novo disco ‘Worship
the Sun’, banhado em referências dos sessentas, que vão do garage rock ao surf
e preenchido por uma vibração psicadélica.
Depois deste furacão será hora de levantar o pano para ver
Mark Lanegan, autor sublime de canções de folk-blues sombrias, acabado de
lançar uma antologia da sua carreira a solo. O carismático músico, ex-líder dos
Screaming Trees e senhor de extensas e impressionantes colaborações com Queens
of the Stone Age, PJ Harvey, Isobell Campbell, constitui mais um regresso ao
festival minhoto.
Momento marcante será a subida ao palco de Charles Bradley, transformado em nova estrela do soul e do r&b depois de uma longa vida sofrida, longe dos grandes palcos. O músico norte-americano fez de tudo na vida até ser encarado a sério pela sua voz arrebatadora.
Momento marcante será a subida ao palco de Charles Bradley, transformado em nova estrela do soul e do r&b depois de uma longa vida sofrida, longe dos grandes palcos. O músico norte-americano fez de tudo na vida até ser encarado a sério pela sua voz arrebatadora.
A noite será fechada com o selo de qualidade dos The War on
Drugs e o seu terceiro álbum de originais ‘Lost in the Dream’, aclamado pela
crítica e homenageando os traços singulares de cantores como Bob Dylan e Bruce
Springsteen.
Na última noite atenções postas na pop intimista da sueca
Lykke Li, que granjeia inúmeros fãs por Portugal, aparecendo em Paredes de
Coura para o único concerto de Verão fora do roteiro nórdico. Mas também há
razões fortes para chegar mais cedo junto do palco principal, face à explosão
sonora que se vislumbra e se anuncia pela presença dos britânicos Temples, que
com o seu álbum ‘Sun Structures’, recheado de temas poderosos, ganharam outro
estatuto na nova cena psicadélica. Pelo palco secundário vão estar os Fuzz,
obstinados pela vertigem que o nome sugere com o destrutivo Ty Segall na bateria,
encarnando a raiva punk e a selva garage rock com um estilo demencial em
formato trio. A música despede-se de Paredes de Coura com a eletrónica dos
Ratatat e com a sonoridade hipnótica e delirante, já em ritmo after hours, dos
Soft Moon.