10 de dezembro de 2010

A suprema classe do Purple Weekend


Chama ardente com paixão desmedida por um estilo. Leon recebe o Purple Weekend e dá-lhe aconchego e brilho único. Mais uma edição decorreu de 2 a 6 de Dezembro, chamando a esta belíssima cidade espanhola milhares de visitantes. Gozando da sua aura inconfundível, do seu encanto pelos sessentas, Leon é a cidade ideal para o Purple cintilar a cada momento.

A programação mostrava nomes importantes e uma linha secundária palpitante, que, na prática, superou em larga distância os ditos graúdos. Mas nem sequer a palavra decepção deve ser aplicada aos concertos de Booker T, Animals, Secret Affair, pois o ambiente em redor do festival, a atmosfera respirada a cada segundo, suplantam toda e qualquer consideração mais depreciativa. No reino do bom gosto, da elegância suprema, os bares associam-se ao grande evento e também eles são força capital do colorido granjeado pelo Purple, que torna mais acelerado o ritmo da cidade. O festival traz concertos ao longo do dia e sessões de djs pela tarde viciam logo o ouvido mais atento, o festeiro mais regado e o dançarino mais aceso. O cenário é absolutamente deslumbrante, a música desfila numa espécie de montra superior, capaz de deixar qualquer um siderado ou petrificado na beleza estonteante que salta à vista em cada minuto. São as roupas que apaixonam, a classe que impressiona, e porque não dizer uma doçura feminina que se revela verdadeira abrasadora. São peças e mais peças, humanas e materiais saídas directamente dos sessentas.



O efeito contagiante propaga-se aos habitantes locais e o Purple Weekend é bem mais que um festival com um dito cartaz. A festa pode ser encarada num restaurante incrivelmente delicioso, dedicado à confecção mexicana e ao psychobilly, de nome Mongogo ou num El Gran Café, sempre convidativo para uns passos de dança ao longo da tarde. A programação faz-se por quatro espaços, tendo o cartaz principal sido este ano direccionado para um novo pavilhão, bem mais decente e respeituoso para as bandas, comparativamente ao que havia sido visto em 2009.



Pena, por exemplo, que Booker T tenha estado longe de honrar o seu passado, fazendo-se acompanhar por uma banda claramente distante do espírito que pautou a onda de Booker T & the MG's. A actuação rapidamente se tornou entediante, até porque chegou depois de dois espectáculos plenos de pujança. Os catalães Excitements, liderados por uma vocalista altamente cativante e excitante, duma entrega ao palco irrepreensível, colocaram o público depressa sintonizado com o soul e r&b. A competência da banda tornou o resultado final uma entrada bem apetitosa. Invariavelmente, o ritmo subiu de tom com os valencianos Wau y los Arrrghs, que estão bem na frente do garage actual em todo o mundo, pois fazem suar e estremecer cada local que os recebe. Uma hora de gritaria infernal com fuzz e farfisa em doses elevadas e propícias a ferver ouvidos. Inevitavelmente ficou uma herança pesada para Booker T. de quem se esperava competência para com temas como Green Onions ou Hip Hug Her lançar a sua sedução ao público. Algum envolveu-se mas foram visivelmente muitos aqueles que sairam desapontados e, de certo modo, incrédulos com tão aborrecido espectáculo. Mas houve festa imensa na discoteca Oh Leon para compensar e esticar uma noite até horas matinais com muito soul, rhythm & blues, garage e surf, a cargo de vários dj's.



Quebrado literalmente o gelo inicial - Leon recebeu-nos com temperaturas negativas - o segundo dia foi aproveitado para descansar, passear, desfrutar da cidade e dos bares de qualidade invejável, como o Portobello por detrás da mítica e imponente catedral gótica e embarcar na tradição de tapas gratuita. Os Dustaphonics é que nos esperavam às 21 horas e esse concerto era, sem dúvida, o prato forte da noite. Em poucos minutos, a vocalista Aina Dusta, sempre irrequieta, soltou todos os seus atributos e resgatou todos os olhares de admiração, pela voz vibrante e simpatia pura, a mesma da sua "irmã" de palco e resto da banda. Todos mexidos e bem coordenados, os Dustaphonics fizeram a delícia da plateia. Veio logo depois o revivalismo mod dos setentas carente da força de outrora. Apesar do profissionalismo e resposta envolvente de muito público, faltou forma e maior projecção sonora da parte dos Secret Affair. Quanto a Teenage Fanclub nada tenho a dizer por renúncia consciente ao seu concerto. Para quem quis provar um pouco de indie consta-se que puderam saborear um bom desempenho dos escoceses. E depois houve mais Oh Leon, como suspiro de espanto por cada maravilha desbravada na cidade, mas também pela rendição a todo o charme leonês na discoteca. Colossal selecção musical estendida para a tarde do último dia no El Gran Café. E do nada descobriram-se forças para fazer as pernas mexer mais um pouco, com grandes temas de r&b e freakbeat. E para jeito de despedida, faltavam tocar os Animals, lendas dos sessentas mas em Leon sem o seu vocalista glorificado. Só com o baterista de elemento da formação original, os ingleses encantaram a plateia com alguns dos seus temas e muitas versões de temas lendários do r&b. Mas ficou o senão de ter faltado Spencer Davis, que estava anunciado para tocar, e um reparo ao profundo distanciamento do registo vocal de Eric Burdon da parte de quem se encarregou da voz nesta reunião do grupo de Newcastle, que empobreceu drasticamente cada música.

Pelas onze e meia da noite foi, entretanto, necessário, dar pressa à saída de Leon para um regresso amargurado ao Porto. Custa deixar uma cidade, que tão bem estima a música e trata o visitante. Até 2011.

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