11 de dezembro de 2013
Purple Weekend e a brutal consagração dos seus 25 anos com Black Angels, Lala Brooks e Nikki Hill
A vida é bela quando um festival oferece doses de sedução estonteantes, fazendo com que a mente viaje num recreio sem fim, invariavelmente espalhado de magia. Uma diferença perceptível graças às presenças maiores de artistas do calibre de Lala Brooks, uma das integrantes das Crystals, que passaram pelas mãos de Phil Spector e da Motown, vocalista principal nesses lendários e ainda hoje fundamentais temas: 'Then He Kissed Me' ou 'Da Doo Ron Ron', que deixaram a plateia arrepiada e petrificada com a excelência da forma e pela leveza da interpretação desta diva do soul de 66 anos, um portento de simpatia, que não deixou de provar as emoções do festival pela madrugada dentro. No seu alinhamento acabou também por entrar com um brilho inesquecível 'All or Nothing' tema popularizado pelos Small Faces, que acabaria por constituir uma estreia no seu repertório ao vivo. O Purple Weekend celebrou as bodas de prata com figuras de primeiro plano variadas, amparado por um atmosfera imbatível e irresistível, recuando num deleite constante ao que era o visual londrino dos sessentas, elevando-se a um lugar de referência da cultura mod, das lendas e das esperanças do soul, do revivalismo rhythm & blues e garajeiro. Já situado desde há muito no topo das preferências de um alargado público, que viaja de Madrid, Barcelona, Astúrias e Galiza,sobretudo, mas também de Portugal, Inglaterra ou Alemanha fascinado pelas propostas de um evento marcadamente esplendoroso e poderoso. Tudo exponenciado num cartaz altamente dourado, tratado com imenso cuidado, afinco e superior requinte, cabendo grande parte da responsabilidade a Constantino e Patrícia, inexcedíveis, agilizando recursos na ligação perfeita gerada entre todos os espaços do Purple. É uma organização de excelência que cuida dos pormenores, do melhor acolhimento dos fãs, honrando ao máximo uma festa que atravessa a cidade com recorte majestoso, que fundamenta e celebriza León como epicentro de uma adorável febre musical. Não há frio suficientemente castigador, é impossível não sentir o impacto de um festival assim,de quatro noites devoradas hora a hora, concerto a concerto, música a música. Não há como o evitar, suspira-se por mais a cada segundo, acalenta-se a comunhão de uma paixão pela pista, vendo o desfilar de bandas com olhos arrebatados pela classe suprema que emana do palco. O frio Dezembro convida visitas bem agasalhadas e essa é uma marca de estilo inconfundível no espectador do espetacular Purple Weekend, que passa durante o dia pelo delicioso e charmoso Gran Café, pelo escaldante Mongogo, pelo cirúrgico Espaço Vias. E durante a noite pelo Pavilhão CHF, onde se dá de caras com senhores e senhoras ilustres da história do rock, do mais primitivo ao mais íntimo, do mais ruidoso ao mais elegante, transportando horas mais tarde a euforia e toda a energia para a OH Leon, onde se cruza todo o mundo, rasgando pista como se não houvesse amanhã. As Allnighters continuam a ter um encanto difícil de igualar em qualquer parte do mundo, obra de um conjunto de dj's sublimes em cada escolha, levando para León as melhores coleções de 45 polegadas, que tão bem aprofundam o melhor do garage, do freakbeat e do psych, como do soul ou do rhythm & blues no andar superior. Os 25 anos do Purple foram concorridos por mais de 10 000 mil pessoas, prova do sucesso readquirido nos últimos anos por um certame erguido na cidade por altura do brilho dos Flechazos.
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A edição de 2013 juntou ao que já é padrão do festival uma aposta pelas bandas proeminentes de um universo psicadélico, casos de Black Angels e Night Beats, que vieram a León apresentar os novos álbuns, Indigo Meadow e Sonic Bloom, respetivamente, e deixar um rasto de ruído e reverb para se perpetuar que nem um eco permanente nos ouvidos mais entretidos. Depois do show tremendo dos Night Beats com o guitarrista e ensaiar incursões pelo meio da multidão e a subir uma das estruturas metálicas do palco numa manifesta epifania auditiva e psicotrópica, o melhor estaria ainda por chegar. Os Black Angels, liderados por Alex Maas e Christian Bland, munidos de todo o seu arsenal sonoro, guitarras distorcidas e imagens projectadas na retaguarda regadas de feitiço ácido, proclamaram-se reis do psicadelismo, engatando uma sucessão de temas tocados numa perfeição notável a deixar o público espanhol pregado ao solo, estarrecido de tanta admiração, perante músicas que penetravam diretamente nas veias e fluíam na mente com uma voltagem incrível tais como Don't Play With Guns, Science Killer, Telephone, You on the Run, Indigo Meadow ou Evil Things. Uma monstruosidade de espetáculo, pela positiva, que atingiu as duas horas, preenchendo de forma superlativa todos aqueles que sejam fãs de Velvet Underdround, 13th Floor Elevators ou Spacemen 3, que abriram um caminho explorado agora com uma criatividade e pujança próprias. Os Black Angels são claramente já uma instituição à parte no rock psicadélico, credenciados por quatro brilhantes álbuns e uma inspiradora colaboração em estrada e palco em 2008 com o veterano e carismático Roky Erickson. León aplaudiu perplexa esta actuação, num fecho deslumbrante de festival no Pavilhão CHF. Antes de toda esta tempestade sonora, foi com Jeff Hershey & the Heartbeats que a festa começou, indo mais aos gosto dos amantes do rhythm & blues e rockabilly, rendidos à aceleração de um intérprete, em autêntica combustão, espalhafatoso e imparável, correndo e saltando e procurando sempre o contacto com a audiência. Semeou a loucura dentro e fora do palco, num espectáculo com raízes inegáveis em Jon Spencer & Blues Explosion, se bem que Jeff Hershey tenha tido a tentação exagerada de parar a rotação da banda em nome de trocas de impressões com o público.
Para a primeira noite, a capital leonesa vestiu-se de gala para receber a mítica Lala Brooks, que subiu ao palco na companhia dos galegos Allnight Workers e outros músicos dotados de mestria como o seu filho adotivo Yoshida, no órgão, alegadamente a mente criativa em todos os arranjos. Foi puro encanto, pura lição de elegância e vitalidade, tudo isso culminando numa excepcional visão de uma entrega apaixonante de Lala. O público esse já estava bem quentinho, após um concerto de TT Syndicate. Os portuenses libertaram o seu fragor dos sessentas e uma alma negra elevou-se durante uns 40 minutos, contagiando uma plateia ainda pouco numerosa mas já devota ao que tinha pela frente. Versões excitantes como o Fever tornaram a actuação mais suculenta embora o êxtase tenha ficado patente em No Money e Last Night, os dois temas que moram no primeiro 45 dos TT Syndicate, grupo que junta elementos dos Mean Devils, Thee Chargers ou Tornados, além de uma valiosa secção de sopro. Pelo meio apareceram em palco os The Sloths para um concerto todo ele transformado numa caixinha de surpresas. O Makin Love, um dos mais infernais temas das compilações das bandas americanas garajeiras dos sessentas, Pebbles, gerava toda a curiosidade, reduzida a migalhas face ao repertório de números não convencionais trazidos para Espanha pelo vocalista, que se vestiu de padre, imitou rituais satânicos, fez-se passar por ilusionista e percorreu o palco como louco, usando joalheiras para se fazer deslizar tal e qual um rock star mergulhado numa fita cómica. Os Sloths até entreteram numa perspetiva puramente non sense, já que musicalmente se tornaram desesperantes, extremamente desgarrados, faltando notória ligação entre o vocalista, espante-se quem quiser, também realizador de Sexta-Feira 13 (capítulo 6) e o resto da banda. Uma mancha num primeiro dia em que também pela tarde a música primou pela qualidade, a cargo dos galegos Fogbound, que deixaram pistas promissoras das suas competências mas também dos dinamarqueses The Youth. Impressionante a energia deste quarteto com expressões e movimentos peculiares, guiado por um frenesim ruidoso a fazer lembrar Masonics e tudo o que deriva de Billy Childish.
Na sexta-feira, os Limboos encheram o Gran Café logo às 15 horas e provaram ter bagagem mais que suficiente para merecer lugar no palco principal. O novo grupo galego formado por Marky e Roi, ambos dos reputados Phantom Keys, apresentou um registo de categoria ímpar de rhythm & blues, deliciando a atenta assistência, que largou cedo o conforto da cama preferindo mais um prazeroso serão musical, pese as horas impróprias até que duram as allnighters. Pela noite, haviam atracções distintas e muito distintas provaram ser. A voz colossal de Nikki Hill, talento emergente do soul, fez valer a sua fibra em palco, tributando lendas que a inspiraram de Chuck Berry a Rolling Stones, passando por Ottis Redding. Um desfile de classe assombroso de uma miúda com arcaboiço vocal para conquistar o mundo. A amostra do seu primeiro trabalho transposta para ao vivo é simplesmente irrepreensível com um indelével toque de sedução. Nikki Hill agarrou com o seu esplendor o público do Purple Weekend com total facilidade e simpatia desarmante, ao ponto dos Decibels, banda americana de power-pop, responsabilizada pelo fecho da noite, não ter em momento algum disfarçado o desconforto por uma debandada assinalável de gente. Os suecos The Most, primeiros da noite, cumpriram e deixaram um rasto de satisfação em quem se apressou por vê-los.
Pelo Espaço Vias, sede do festival, albergando um mercado de roupa e outro de discos,em vinil, passaram por cada tarde duas bandas e foi lá que encerrou domingo o Purple Weeekend 2013 com os austríacos The Attention e com a banda local Karma Gurus. Mas também no sábado se viu muita qualidade, sobretudo à conta de outra banda da Áustria: Bj's New Breed. Este é um projecto paralelo dos Jaybirds, figuras incontornáveis do freakbeat europeu e já amigos de longa data deste grande festival. O Purple Weekend não teve tempos mortos, teve actividade, toda ela valiosíssima, para um desfrute intenso. Entre a rota Gran Café, Espaço Vias, Mongogo, Pavilhão CHF e Oh León se percebe a dimensão de um festival que mascara a cidade ao seu elevadíssimo bom gosto.
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