21 de outubro de 2010

Ùltimas fantasias de um Dracula de sonho

















Destino indubitavelmente de desconfiar, cartaz descaradamente de confiar.Benidorm envolta em torres, mergulhada no mediterrâneo, invadida de ingleses. Outubro de ressaca veraneante, ainda bafejado pela ternura de uns raios solares. Foi neste quadro que a cidade espanhola espalhou uma cortesia invulgar para dar abrigo ao mais incrível, apaixonante e escaldante festival. O Funtastic Dracula terá chegado ao fim da linha em 2010 mas a última viagem não podia ter sido mais estimulante e loucamente fantástica. Foram três noites que correram a velocidade cruzeiro e a ritmo ainda mais acelerado, que te fizeram sentir transportado para outra realidade, outro continente, simbolizada de exotismo. O Dracula deixa saudades, foi tão leve quanto produtivo, e tão pesado como confortável, tocando qualquer um numa assistência marcadamente internacional. Man or Astroman! e Los Saicos foram os cabeças de cartaz que passaram por Benidorm mas não houve bandas menores, foram simplesmente três dias que potência máxima, bem suportados em alinhamentos de grande classe, que potenciaram a cumplicidade do público, decididamente rendido a um ambiente de frescura invulgar, ao que foi ajudando um delicioso enquadramento, ora através de um bar de apoio que ia acolhendo festas à tarde, situado em frente da praia, ou, então, pela magnífica e histórica discoteca - Ku - arquitectada com uma piscina e um espaço exterior de requinte ímpar, isto além de uma deveras apelativa distribuição de merchandising.


Percorrer festivais tem sido característica dominante em férias mas encontrar o paraíso é para privilegiados...senti-me, assim, em Benidorm, apesar de ser Benidorm, berço maldito de um projecto de construção terrorífico, violador da beleza natural, e Benidorm, destino de um turismo rude em parte representado pelo inglês de terceira ou quarta categoria.~
Contra etiquetas e imagens criadas e vistas, o Dracula reservou-me um fim-de-semana prolongado de sonho, adocicando a cada instante um convívio espectacular entre pessoas de diferentes proveniências. Estética apurada, um desfile das mais incríveis e ousadas tatuagens, penteados galantes, outros mais rebeldes, e uma colecção de paixões estampadas em camisas e t-shirts.

A primeira noite teve mordidelas inicias em registo surf e da casa, com os Imperial Surfeirs e Kings of Makaha, antes da classe tomar conta do palco com Lord Rochester ao melhor estilo Bo Didley e a tributar o mestre com algumas versões. Marcas de caos trouxeram os japoneses Minnesota Voodoo Men, autênticos ninjas cheios de adrenalina no sangue, em formato trio. Senhores de loucura compulsiva, visual negro e altamente fashion, o palco foi pequeno para tamanha e vibrante demonstração de desvario ao som de muitos clássicos de rhythm & blues. Versões com toque próprio e muita acrobacia. Kung-fu rock'n'roll que antecedeu o galáctico surf dos Man or Astroman!, que dispensam apresentações. Um show instrumental verdadeiramente brutal, totalmente sci-fi, ruidoso e agitado, com mergulhos para a assistência, devaneios múltiplos e uma comunhão com o público perfeita. Seguiu-se um elenco de dj's fiéis ao garage/beat que mantiveram a pista a ferver de entusiasmo até de manhã (comprovadíssimo e aprovadíssimo), cheia de corpos a mexer ao ritmo da música e com uma elegância estonteante sempre presente.

Um quarto para consumo mínimo retirou-me cedo do medíocre hotel, já com a cabeça orientada para apalpar a festa no Daytona Rock Bar, servido de alta música e interessantes concertos, à tardinha, devidamente apoiado por umas coronas e muitas companhias nórdicas. Curiosa e numerosa a representação de Oslo. Esta foi a melhor forma de preparar a noite hispânica do Funtastic Dracula Festival. Los Explosivos (México), Los Peyotes (Argentina), Davila 666 (Porto Rico), Wau y los Arrrghs (Espanha) e Los Saicos (Peru) tornaram tudo inesquecível e espectacularlmente caloroso. Letras na garganta de muitos, hinos de garage, versões espanholas bem caprichadas, pinchos , empurrões e uma sala sempre contagiada. Os Explosivos aqueceram, os Peyotes arrebentaram, os Davila surpreenderam e sobre os Wau y Los Arrrghs, liderados por Juanito, que dizer...simplesmente puseram 800 pessoas em orgia musical. No meio de um imenso e delirante baile selvagem, valeu tudo...ou quase tudo. Foi o concerto do festival e um tremendo aperitivo para um prato altamente valioso...raro. Em reunião e em concerto exclusivo após 40 anos afastados dos palcos, os peruanos Los Saicos libertam-se com o passar das músicas da ferrugem e começaram um jogo de sedução, que os levou a bisar e a encerrar a actuação com o Demolicion. Foi lindo e nostálgico percorrer temas como Ana, Entierro de Los Gatos, Fugitivo de Alcatraz ou Come On. Mais impactante foi o tributo do público do Dracula aos Saicos, numa impressionante e colectiva manifestação de carinho. E com tanto estímulo, só podia ser mais uma noite longa.
Varo e Paloma, casal por detrás da organização deste incrível festival, não deixaram a programação morrer nesta noite e o dia final foi uma sobremesa plena de sabor. Basta mencionar que tudo terminou com um concerto de Los Chicos, o grupo mais festeiro que a Espanha já conheceu, seguramente perfeito para colorir qualquer festa de aniversário. Um vocalista imparável e dois gémeos com aparência de John Belushi nas guitarras, funcionam como força motriz de um espectáculo portentoso. E a equipa de dj's encarregou-se de manter vivo o espírito do Dracula até de manhã, promovendo a melhor despedida de Benidorm. Anunciado como último, o fim deste festival é desde já uma perda irreparável, caso se confirme o cenário citado.

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